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22 julho 2010

David Mourão - Ferreira - Documentário




 
David Mourão-Ferreira usa os mitos «num contexto de confrontação irónica entre a riqueza da imaginação do mundo antigo e o prosaísmo da contemporaneidade» ou, tendo como «suporte o emprego metafórico de palavras que convocam na memória do leitor a história tradicional»

Maria Helena da Rocha Pereira, «Permanência Clássica na Poesia de David Mourão-Ferreira» in Revista Colóquio/Letras. Ensaio, n.º 145/146, Jul. 1997, p. 235-236.








 



































































 






Labirintos da memória: o espólio de David Mourão-Ferreira



Teresa Martins Marques




A obra davidiana edifica-se sobre um complexo sistema de vasos comunicantes, orquestrados pela memória interna da obra, em contraponto de harmonizações sinfónicas ou diafónicas. Com efeito, os elementos itinerantes constituem um dos aspectos mais interessantes da implícita ou explícita rede comunicante, como é, nomeadamente, o caso das obras poética e ficcional Os Quatro Cantos do Tempo e As Quatro Estações, ou do poema intitulado «Romance das Mulheres de Lisboa no Regresso das Praias», cujo primeiro verso — “Em terra, tantas gaivotas!” — inverte e subverte o título do seu primeiro volume de ficção narrativa, considerado como de novelas, mas que resultou de um trabalho de reconstrução de um anterior romance, razão por que certas personagens transitam de umas narrativas para as outras, em completa subversão da linearidade temporal do primitivo texto.


O onirismo d’ Os Amantes e Outros Contos encontra-se inscrito em embrião n’ A Recordação de Panflakaio : “Sonho que sonho o que sonho” é um verso da poesia “Argumento”, inserta em Os Ramos Os Remos, a qual traduz precisamente a situação onírica que sustenta a arquitectura do conto Os Amantes. Conquanto seja o erotismo o filão mais reconhecido na Obra de D.M.-F., esta está longe de se reduzir àquela temática. Outras linhas se entrecruzam na memória, na meditação sobre a morte, no culto dos lugares, não apenas como sagradas relíquias do tempo, mas ainda como espaços de reflexão do sujeito, em processo de perda.


Parafraseando um conhecido poema, de Matura Idade — “E por Vezes”—(justamente seleccionado como símbolo davidiano para a antologia Rosa do Mundo-2001 Poemas para o Futuro), a angústia torna-se obsidiante imagem de fundo, que traz para o primeiro plano um sujeito que se vê através do olhar feminino e que, por vezes, se encontra e que, por vezes, se perde. Tântalo que não sacia a sede — destino que um deus lhe segredou. Fulguração do instante, revolta pelo fogo que se extingue, que não dura, mas que resiste, sendo apenas o que resta do desejo de eternidade. Na poesia davidiana o sujeito não ama porque existe, mas para que exista. E existe para sentir, por vezes, o prazer de se dissolver e ciclicamente renascer. As formas de diluição no mar – água primordial, por vezes metáfora da mãe e memória do tempo antes do tempo, ou as formas de diluição em terra — evasão, viagem, mudança — serão ainda uma outra forma de perdição e renascimento de quem se procura procurando, por vezes ganhando e, por vezes, perdendo ao jogo da vida. Condição trágica de quem ironicamente fica preso à busca da liberdade, como um Ícaro condenado aos trabalhos de Sísifo: ”há-de tudo prender-se aereamente solto”, lemos na “Ars Poetica”, inserta em Do Tempo ao Coração. Os Ramos Os Remos inscrevem, a partir do título, a fixidez e a flutuação. Ramos da árvore que prende, remos do barco que deriva.


De uma outra forma, mais directa, de acordo com o registo escolhido, o sujeito assumirá a condição de errância na autobiografia fragmentária acoplada a um livro de aforismos sobre a sedução que muito oportunamente intitulou Jogo de Espelhos: “Sente-se, desde sempre, mais estável no movente que no fixo”. (fragmento II). D.M.-F deixa em “Testamento” a fuidez do verbo, a instabilidade do sentido, o calor da lava e o frio da cinza. O nada transmutado em tudo, o nada retomando a cor do infinito na «Ladainha dos Póstumos Natais».


Como ensaísta, cronista e crítico literário, deixou-nos ainda dezassete clarividentes volumes, entre os quais o intitulado Discurso Directo que David classificava como um indirecto auto-retrato e por isso considerava o mais indicado para quem quisesse principiar a conhecê-lo, para além da obra de divulgação e tradução intitulada Imagens da Poesia Europeia, elaborada a partir de um programa homónimo que, como outros de sua autoria, intitulados Miradouro, Momento Literário, Música e Poesia, Hospital das Letras, lhe grangearam grande popularidade na Rádio e na Televisão. As recém publicadas Vozes da Poesia Europeia I, II, III, compilam a maior parte do seu trabalho como excepcional tradutor, sendo que cada texto traduzido se metamorfoseia de forma original num autêntico poema de D. M. –F.


A comunidade literária soube reconhecer o seu valor atribuindo-lhe onze prémios literários: três de Poesia, dois de Conto e Novela, quatro de Romance, um de Teatro e ainda um outro de Ensaio. As obras de D.M.-F. encontram-se traduzidas nas principais Línguas Europeias.





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